terça-feira, 24 de dezembro de 2002

Hoje é véspera de Natal, mas o Notalatina está aqui no plantão, ligada pelo coração àquele bravo e resistente povo venezuelano, que ao contrário dos outros anos e dos outros povos cristãos, optou por não comemorar essa data majestosa com festas.



O Natal na Venezuela será comemorado nas ruas e avenidas com mais uma “marcha luminosa”, onde multidões incalculáveis se reúnem com as únicas armas com que têm lutado nesses 22 dias da Parada Cívica Nacional: bandeiras, apitos, velas e tochas, além de um caçarolaço programado para soar à meia-noite.



O primeiro artigo de hoje vem do site El Gusano de Luz (Vagalume), num relato cheio de emoção do jornalista Ricardo Mitre e o segundo, um manifesto em apoio aos venezuelanos escrito pela União dos Ex-Presos Políticos Cubanos. Infelizmente não tenho como colocar aqui as fotos desse movimento pacífico e forte, mas elas podem ser vistas no site www.elgusanodeluz.com site que recomendo por ser muito fiel ao que se tem passado na Venezuela, sem disfarces nem mentiras.



O VELHO CORAÇÃO E AS TOCHAS



Ricardo Mitre



Chego com Graciela à Praça das Américas para marchar dali, já que a falta de gasolina me impede de ir ao Oeste para fazê-la com meus companheiros de Catia. Nos reunimos para marchar e descobrimos com emoção que a ampla maioria dos participantes tem a idade dos nossos filhos e denotam, além de sua determinação, essa generosidade inevitável da juventude.



Ficamos um tempo marchando quando começa a cair a noite e de repente surgem as luzes das velas, das tochas e das lanternas iluminando a noite caraquenha. Para a frente, a marcha reluz interminável. Volto para trás e minha vista perde-se no horizonte de cabeças e luzes. Outra vez a marcha foi massiva, penso, enquanto alguém me diz que nos outros pontos de concentração a convocatória foi respondida do mesmo modo e que, talvez, novamente, esta tenha superado a anterior. Falamos, cada vez, de mais de um milhão de almas; coisa que parece ser de todos os dias.



Levo um tempo marchando e em cada urbanização que passamos vão-se integrando numerosos contingentes nos quais predominam os jovens com suas velas. Comento com Graciela que nunca tinha visto tantos jovens e trato de captar seus rostos com minha câmera. De imediato o velho coração que pulsa, um tanto cansado dentro do meu peito, tem um estremecimento de emoção e as lágrimas acodem em meus olhos ao ver esses rostos jovens cantando e gritando palavras de ordem.



Amanhã é noite de Natal, pensa meu velho coração e este belo e manso povo que neste mês, todos os anos, expressava sua alegria em um “corre-corre” para comprar inumeráveis presentes, para atender a “seu amigo secreto” e para organizar inumeráveis festas até a madrugada, decidiu ficar sem Natal e dar amanhã à noite, exatamente às 12 da noite, um caçarolaço para que ninguém se esqueça de sua indignação.



O velho coração que agora marcha à altura de San Luis esteve outrora, em outro país, quando era tão jovem quanto a mocinha que agora marcha a meu lado cantando entusiasmada, em outras gigantescas mobilizações, que embora com palavras de ordem diferentes, clamavam pelo mesmo: liberdade, tolerância e não exclusão. Aquelas fracassaram: esta dependerá da coragem que chegue para cada dia, exatamente de nossa persistência, de nosso denodo na luta e da fé que acuda em nosso ânimo.



Quando chegamos a Chuao, a marcha é um imenso rio humano de cidadãos mobilizados que sepultam a presença de partidos políticos que puderam comparecer como tais. E continua a marcha de imensas luzinhas. Alguém que me reconhece me pede uma foto. Outro grita “avante El Gusano de Luz” e o velho coração volta a falhar. Lembro, então, a manhã de um sábado frio de janeiro de 2001, quando decidimos fundar este site. Nesse dia decidimos que havia pequenas luzes que brilhavam na noite mais escura que a Venezuela havia vivido e dissemos que ”na noite mais escura é que brilha o Vagalume” e explicamos, milhares de vezes que, quando todas essas pequenas luzinhas brilhassem juntas, se faria a luz. Dissemos, igualmente, que nascíamos para pensar no país que virá. E realmente esse país virá.



Fizemos algo pela luminosidade, pressentimos, tanto que passamos por La Carlota e o sábio instinto das pessoas grita palavras de ordem contra a repressão. Não fomos trabalhar com os companheiros de Catia uma vez que pensávamos e pensamos que o país mudaria, definitivamente, quando o povo se encontrasse com os letrados e pudesse compartilhar um espaço comum. Este povo despertará, dizíamos, enquanto nosso andar dificultoso em Chuao nos evoca as enormes filas que neste dia se fizeram ante o Registro Eleitoral Permanente. Todos queremos essa saída que agora estamos defendendo nas ruas. Essa foi a mensagem da juventude deste país mobilizado.



E realmente isso se passa, parece dizer a gigantesca marcha que chega do Oeste da cidade, à qual se soma, no trajeto, muita gente proveniente de cada uma das urbanizações e bairros que atravessa. As ruas são nossas.



Quando o velho coração chega a Chuao a concentração alcança níveis asfixiantes. Alí não cabemos todos os que vínhamos e inevitavelmente muitos têm que voltar, penso enquanto caminho, voltando, junto com uma nada desdenhável, pelo número, marcha que regressa pelos dois canais do Boulevard de El Cafetal. As pessoas cantam seu entusiasmo. Não importa se é de ida ou de volta.



Este povo saiu para brilhar, também, nessa noite escura. Amanhã é 24 de dezembro de 2002, e esta gente não honrará a festa. À tarde e à noite há atos para indicar que o “bravo povo” não recuará na luta.



Ali estaremos porque todos seguiremos brilhando juntos nesta noite ainda escura, já que o povo está na luta com uma determinação que não poderá ser sufocada pela repressão que cada dia ensaia mais disfarçadamente um regime autista e bocejante.



Esta noite acenderam nossas luzes. Todos somos “Vagalumes” e assim o faremos saber, quando terminado “o mandato” que nos encomendaram, há que discutir, de verdade, o país que há de vir.



Dentro de algumas horas continuará soando esta voz de protesto de um novo povo que não tem medo e palpita fortemente, comovido pela emoção, nessa vontade inquebrantável de construirmos de novo.



Sinto que a hora do milagre está cada vez mais próxima. Me disse esse velho coração que viaja, cansado dentro do meu peito e que esta noite palpita, acelerado, em cada protesto e em cada canto.



É Noite de Natal e a Venezuela inteira luta. Continuaremos lá.



Em todos os momentos. Sempre...



Fonte: El Gusano de Luz



União de Ex-Presos Políticos Cubanos Inc., Zona Norte, New Jersey (NJ)

VENEZUELA: “GLÓRIA AO BRAVO POVO”



Com as quatro palavras do hino nacional venezuelano, rendemos tributo ao bravo povo venezuelano que nas ruas ou nas praças tem desafiado o governo do militar anteriormente golpista Hugo Chávez; com manifestações, com toques de caldeirões, com paradas de trabalho, com navios cisternas carregados de petróleo parados nos portos, com uma Central de Trabalhadores digna de sua relação, com militares manifestando sua obediência ao chamado da Pátria em crise e ao povo ao qual devem sua posição.



Muitos cubanos viveram e vivem nessas terras que pariram o gênio libertário que foi Simón Bolivar. Ali transmitiram suas experiências do viver totalitátio, ali em terras donde nunca se sentiram estrangeiros e onde sua língua não tinha acento, criaram simpatia para sua luta e ensinaram a experiência de como se leva um país ao totalitarismo explorando verdades sociais e pondo em prática sistemas de propaganda e estratégias psicológicas. Muito devem os cubanos que viveram ou vivem na Venezuela a essa grande nação; em resposta, os venezuelanos tiveram de primeira mão o testemunho da vida cruenta na Tirania que os ajudou a preparar-se e a escolher as melhores formas para opor-se à perpetuação do poder unipessoal, tomando como modelo o fracassado castrismo de Cuba. E apesar de que os afetos ao governo, os sicários da violência organizada estejam utilizando a bandeira cubana em seus atos, e até o próprio Chávez tem-se coberto em algumas ocasiões com a bandeira da estrela solitária, os venezuelanos têm sabido distinguir entre as duas Cuba: a que mata e atropela sustentando a Tirania mais velha do continente e a que é digna do respeito dos homens livres do mundo por ter sido a Pátria de Martí, e ontem berço dos melhores ideais, onde os povos da América souberam em seu momento beber a sábia imorredoura da Liberdade.



As prorrogações de poder, as Constituições emendadas ou derrogadas, os tribunais de Justiça em mãos de partidários, os Congressos dissolvidos e as hierarquias militares substituídas por afetos, são métodos dirigidos para perpetuar homens e partidos. Só a sabedoria dos povos pode distinguir quando estes assuntos são manejados em horas em que o triunfalismo sufoca o estabelecido e esperanças mal alimentadas de supostas mudanças ensombrecem a Justiça. Os direitos individuais e a Liberdade tratam de se esconder em altares de um bem nacional que nunca terá fim, enquanto turbas mal intencionadas fazem o papel de forças de choque e de árbitros dos que pedem a mudança democrática.



Só um milagre salvará o povo venezuelano de um trágico banho de sangue; só uma comunidade internacional bem intencionada impedirá que fatores estranhos entrem em jogo para suprir as limitações de Chávez ou a experiência dos novos dirigentes da oposição. Quando a nação entra em uma etapa convulsiva, pode haver pescadores de rios revoltosos, como quando o processo conduzido pelo chileno Allende chegou a ser manejado pelos assessores castristas; com Ortega se passou o mesmo na Nicarágua. Estes assessores atearam fogo onde se debatiam idéias, criaram mártires e buscaram um inimigo comum em ultramar para alcançar uma unidade nacional, que só existiria se os caudilhos fossem aceitos unanememente.



Cremos no triunfo da oposição venezuelana; cremos no ressurgimento dos melhores para conduzir o país por caminhos de bem-estar e de paz; cremos que então a Venezuela entornará seus amplos caudais humanos e econômicos no conglomerado dos países livres e democráticos que hoje defendem uma batalha decisiva contra o terrorismo internacional; cremos no BRAVO POVO que um dia iniciou a independência da América para sempre.



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