sábado, 12 de outubro de 2002

Há coisas na vida que, por mais que queiramos, não podemos fazer de conta que não percebemos. A preocupação da mídia, por exemplo, em falar do paraíso caribenho tecendo loas não às belezas naturais, mais à vida e ao modelo político implantado em Cuba, não foi obra do acaso. Só nesse segundo semestre visitaram a ilha: a apresentadora de tv Adriane Galisteu, Márcio Moreira Alves e, recentemente, a jornalista (também do jornal O Globo), Maria Cristina Valente.



Sinceramente, não sei se classifique o que foi publicado por estas pessoas de mentira deslavada, propaganda subliminar ou se, de fato, esses profissionais acreditam no que escreveram. Deve ser pura coincidência estar próximo de se decidir quem vai governar o Brasil, e mais coincidência ainda, que o candidato das multidões seja amigo do peito do ditador "dono" da ilha.



Não pretendo me alongar muito aqui a esse respeito, porque hoje reproduzo o excelente artigo do Heitor De Paola sobre a matéria publicada no caderno de Viagens do jornal O Globo, que foi veiculado no site Offmidia (http://offmidia.blogspot.com) - e que eu recomendo como um dos meus favoritos. Apenas, acrescento ao artigo do Heitor que, para que essas pessoas maravilhosas desfrutem de uma vida paradisíaca na ilha caribenha e saiam com gosto de saudade no peito, milhares de cidadãos cubanos trabalham em campos forçados, passam fome, são espoliados, vigiados, proibidos de falar com o turista sob pena de prisão, com cortes de água e luz constantes, para que não falte ao “turista convidado” o que há de melhor em termos de civilização. Isso eles não contam; ou são proibidos de contar.



Cuba pertence aos turistas que deixam dólares no caixa do tirano e não aos seus cidadãos, servos cativos e amordaçados há quase 44 anos.



O GLOBO VAI AO PARAÍSO



Por Heitor De Paola



A Revista Boa Viagem, do Globo de hoje, 10/10/2002, dedica dezessete páginas a Havana! Nunca o suplemento de turismo do Globo dedicou tantas páginas a uma só cidade, salvo quando há algum acontecimento esportivo ou cultural de grande importância.



A reportagem, de Maria Cristina Valente e Custódio Coimbra que foi patrocinada pelo Ministério do Turismo de Cuba e pela COPA Airlines, mostra a cidade como endurecida mas sem perder a ternura , e é baseada num roteiro de Compay Segundo, do Buena Vista Social Club, 'garoto' propaganda do Fidel, uma mistura caribeña pífia de Leni Riefenstahl com Sergei Eisenstein, sem a competência de nenhum dos dois.



Mais importante que o roteiro turístico, que repete as mesmices de qualquer cidade do Caribe, é a repetição dos chavões de sempre sobre Cuba: conquistas sociais, médicos para todos, extinção do analfabetismo, tudo ameaçado de ser perdido por causa de que? Ora, do crudelíssimo bloqueio americano! A cidade é um paraíso ameaçado pelos homens maus do norte: Cuba é dança, música, esperança, luta...



A poucos dias do segundo turno das eleições presidenciais, quando poderá ser eleito o muy leal amiguito e admirador do ditador cubano, a quem agradeceu pelo simples fato de ter nascido, isto cheira a propaganda descarada. A não ser que, por um raciocínio tortuoso, prove-se que mostrar aquela velharia suja, destruída, caindo aos pedaços, cheia de prostitutas e mendigos, que no paraíso se chamam jineteras e delicados vendedores de bugigangas, como o Londres de Orwell, seja propaganda contra o que querem implantar aqui.



Não sei se os leitores saberão tirar esta suposta lição das entrelinhas, devido ao tom de franco elogio, inclusive à rede de delatores da Polícia Política, os CDR's (Comités de Defensa de la Revolución) mostrados como exemplos de atividade 'social' e, no final, com suspeitas reticências, dizer que "alguns dizem que os CDR's exercem patrulhamento ideológico....." Ora, se esta é a única justificativa para sua existência! Temo que em breve os vejamos por aqui.



Nenhuma palavra sobre o fato da ilha estar submetida a uma ditadura cruel há 43 anos; nenhuma palavra sobre a brutal censura à imprensa nem à vida nababesca que levam os funcionários do Partido Comunista, entre os quais certamente está o cicerone, situação certamente partilhada pelos repórteres. Mas há uma esperança de que de outra vez eles abram mais os olhos, talvez sem ter que prestar contas aos patrocinadores, pois se despedem dizendo que fica uma sensação de que o melhor não foi dito nem visto . Pois é!



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