domingo, 15 de dezembro de 2002

Hoje eu estava com várias notícias de Cuba para informar, acerca dos presos de consciência, mas uma correspondência vinda da Venezuela vai ocupar, sozinha, todo o espaço da edição de hoje.



Trata-se de uma carta preciosa, porque informa aquilo que a imprensa jamais revela ao mundo, escrita por um psicanalista venezuelano de reconhecido prestígio e seriedade profissional, o Dr. Rómulo Lander. Enquanto leio a mensagem, constato muitas coisas das quais suspeitava mas não tinha como confirmar, pois apesar de pesquisar exaustivamente em vários jornais e através do canal de televisão CNN (espanhol), NADA, rigorosamente nada do que se passa de concreto nos bastidores dessa calamitosa situação é reportado, nem como uma discreta nota de rodapé.



Fica a certeza, após ler a carta, de que a população (sobretudo de fora da Venezuela) continua sendo enganada e manipulada a crer naquilo que é do interesse da “inteligentzia”. À semelhança do que ocorre em Cuba, muitas das práticas adotadas pelo regime do nefasto ditador comunista já são realidade na Venezuela, como os tais “tribunais populares”. Vieram ainda, em anexo, declarações de Sociedades Psicanalíticas, Psiquiátricas e de Escritores venezuelanos, que infelizmente não vou poder publicar hoje. Mas a carta do referido Dr. Lander já é suficientemente contundente e reveladora, para nos saciar a sede de informações sobre a real situação vivida por nossos irmãos venezuelanos.



Caracas, 14 de dezembro de 2002 – 11:00 AM



Na sexta-feira dez de dezembro, enviei a meus amigos e conhecidos do mundo psicanalítico uma reportagem pessoal atualizada, da grave situação em que se encontra a nação venezuelana. Me motivou a fazer isto, a seguinte situação: A imprensa e as notícias televisivas do estrangeiro não reportavam, ou reportavam insuficientemente, ou distorcidamente, o que considero ser uma terrível realidade na Venezuela. Se o mundo conhece a versão difundida pelas agências nacionais afins com o governo, é justo e saudável, ao menos estar informado da outra versão. Muitos intelectuais de diversos gêneros, preocupados por este ponto, nos reunimos e ante este visível estado de desinformação, decidimos difundir a outra realidade ao mundo, tal como a estamos vivendo.



É natural que outros analistas pensem de uma maneira diferente da minha. Para mim e para muitos colegas psicanalistas da Venezuela, de distintas escolas e filiações psicanalíticas, estamos convencidos de que esta luta é pela sobrevivência das liberdades cívicas e democráticas. A todos eles os encontro nas marchas diárias pela liberdade.



Afirmei que o Chavismo trata de impôr um regime castro-comunista na Venezuela. Está muito além do meu propósito dar-lhes argumentos irrefutáveis. Não sou um homem de direita. Sempre me considerei e me considero de centro-esquerda, preocupado e sensível às dificuldades do povo humilde. Nunca fui ativista político. Uma coisa é um governo democrático de esquerda e outra coisa é um regime totalitário, seja de extrema direita ou de extrema esquerda, aos quais repudio. Poderia ficar calado com a informação que tenho como cidadão comum, que vive em um país em crise. A hora chama a não mais calar-me. Estamos a beira de uma guerra civil. Utilizando somente o que se vê no canal do Estado e em notícias locais, posso dizer-lhes o seguinte: O presidente refere-se constantemente a seu governo como o processo revolucionário. Sua saudação a seus partidários é um gesto de levantar as mãos e golpear os punhos, uma e outra vez, incitando a violência em nome da revolução e com o grito de acabar com a oligarquia. Seus partidários vestem camisetas de Fidel e Che Guevara. Seus encontros televisados mostram os auditórios cheios de cartazes pró-Fidel e com enormes fotos de Che Guavara nas paredes. O Presidente visita com muita frequência (duas ou três vezes ao mês) Fidel Castro, em uma hora e trinta minutos de vôo desde Caracas. Seis mil milicianos cubanos já estão na Venezuela. O Comitê Tático da Revolução (segundo aparece no canal do Estado e na imprensa) inclui dois importantes membros do Partido Comunista venezuelano. A guarda pessoal do Presidente não está formada por militares venezuelanos. Vários meses atrás instalaram-se tribunais populares nas praças, para julgar e sentenciar (em ausência), e pela televisão (do Estado) os que eles consideravam contra-revolucionários. Alí foram sentenciados militares, jornalistas, canais de televisão e de rádio, jornais, intelectuais e políticos. Logo apareceram as listas dos objetivos militares da revolução. Os nomes das pessoas marcadas, como objetivos militares. Os nomes das instituições informativas marcadas como objetivos militares. Hoje em dia alguns repórteres de televisão ao iniciar seu trabalho, identificam-se como marcados nas listas. Estes tribunais foram suspensos pelo mesmo regime. Chávez, tal e qual Fidel, defendeu publicamente (com cartas e documentos) o terrorista internacional conhecido como o Chacal. Segundo o Embaixador (destituído) da Venezuela, em Paris, Chávez pagava com dinheiro do Estado a defesa legal do Chacal. Há vários meses, Freddy Bernal (lugar-tenente civil) de Chávez, foi descoberto acidentalmente no Iraque, comprando armas clandestinas para as milícias da revolução. Isto foi notícia internacional. A estratégia da revolução desenhou um sistema celular paramilitar em todas as cidades e povoados chamados “círculos bolivarianos”. Estes círculos estão armados pelo governo. Tanto assim, que em sua visita de abril, a OEA pediu a Chávez que desarmasse os Círculos, coisa que foi ignorada. O escritório central destes círculos encontra-se no Palácio do Governo. Isso pode ser visto na página Web dos círculos bolivarianos, cujo endereço de seu escritório central está no Palácio de Miraflores (do governo). Seu chefe máximo (segundo aparece na página) é o Ministro do Interior e Justiça, Diosdado Cabello.



Sinto-me envergonhado de ter que dizer-lhes tudo isto. É minha pátria e me doi. Hoje é sábado, 14 de dezembro; em uma hora estarei marchando de novo nas ruas. Não sei se em dois ou três dias teremos uma guerra civil. Não vejo que nenhuma das duas partes em conflito tenha a possibilidade real de retroceder. Para ambos os lados a sorte está lançada. A parada total do setor petroleiro põe o governo contra a parede. E cedo ou tarde terá que estourar. A oposição não tem nenhum poder de fogo, todavia está cerceada e não tem volta atrás (atrás está o cárcere e o exílio). O mais grave é que já não é somente Chávez, agora; tudo está nas mãos do Comitê Tático da Revolução. Para ambos os lados, não vejo que haja espaço político para retroceder.



Meu desejo é que ao menos vocês conheçam o outro lado da notícia. Não digo que eu tenha a verdade, é só a outra face da situação, a outra face do que vocês vêem todos os dias na imprensa. Se me preocupo tanto pela causa de Freud, como não vou preocupar-me com o que está ocorrendo em meu País?



Saudações de um colega em dificuldades,

Rómulo Lander



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